sábado, 9 de junho de 2012


Relatos de mainha, (re)descoberta do meu "eu"

Certo dia, como toda boa história começa e justifica o seu contador(a) não lembrar a data, eu perguntei a minha mãe como ela me descreveria, caso um dia alguém a questionasse sobre mim. Os seus olhos claros me focaram acompanhados de um sorriso, ela me olhou pelo "rabo do olho" como ela mesma diz, mas dessa vez não era para dar uma bronca, como de costume, o seu olhar ficou no cantinho do olho para  focae a minha imagem. O seu jeito de olhar me desconsertou, achava que não tinha sido uma boa idéia, afinal, dizem que opinião de mãe não vale, que ela sempre vai ver somente qualidades no filho. No entanto, lembrei que minha mãe é detentora de algo que a torna uma pessoa de personalidade, ela costuma ser sincera (até de mais, às vezes), e como costuma proclamar com tanto orgulho "antes de olhar para os defeitos dos de fora, eu falo dos defeitos da família". Então, seria o momento ideal, ela aproveitaria a oportunidade para dizer que não concorda com a minha rotina, com a minha alimentação, que eu compro muita "bagana" na feira daqui de casa, que o meu conceito de casamento é um desrespeito a moral, que eu mudei horrores, enfim, seria elencado todos os defeitos que a mim pertencem diante dos olhos delas. Mas como eu poderia acreditar que aquele olhos verdes viriam somente isso de mim? O jeito maternal e sincero comungaram em suas palavras ao me descrever. Quando ela começou a falar de mim, tive a certeza que nem eu me conhecia tão bem, que nenhum livro de auto-ajuda poderia definir melhor o meu "eu", e as explicações sobre identidade de Hall e Bauman eram clichês diante da sabedoria da minha genitora. Bauman fala da sociedade líquida, do amor líquido, de como os valores estão diluídos nessa sociedade, em partes concordo com a teoria desse sociólogo. Entretanto, (re)descobrir que posso ser constituída por toda essa "liquidez", porém sou uma represa, composta por líquido, mas tenho uma base de concreto, tenho quem me segure, me proteja e me retenha de tudo (no sentido mais amplo da palavra). Cada situação narrada por mainha fazia eu me (re)conhecer melhor, não sabia que eu era tudo aquilo e menos isso. Tinha esquecido que assim como Deus sabe até cada fio de cabelo que eu perco, a minha mãe sabe as razões principais dos meus sorrisos, das minhas lágrimas, das minhas decepções e das minhas leseiras. Agora eu sei como um herói se sente ao ouvir a sua história por outrem. Desconhecia que na minha pequenez eu era tamanhamente (nem sei se existe essa palavra) importante e especial para alguém. Como o meu riso e meu pranto fazia diferença para ela. O quanto eles foram contabilizados, e como as minhas dores foram as delas. Claro que eu ouvir também aquelas histórias que começaram com o "eu te avisei, mas você sempre foi assim, não quer escutar ninguém", e dessa introdução eu escutava um episódio da minha vida. Mãe não me descreveu como eu pedir, ela contou a minha vida, narrou a minha história e me lembrou que eu posso ser a protagonista, que Deus é o escritor maior, mas que ela é a roterista de toda essa novela. No meu RG deveria ter o número do telefone de mainha, afinal, o número do documento e aquelas breves informações nada falam sobre mim, ela sim sabe repassar todas as informações necessárias. Os meus currículos (curriculuns, como preferir) deveriam ter o endereço da residência de mainha, com todos os dados dela, bem como uma carta de recomendação, quem melhor do que ela para me descrever?! As redes sociais (orkut, facebook entre outros) teriam que criar um meio de repassar as dúvidas e as curiosidades daqueles que tanto querem saber sobre mim para que mainha pudesse responder. A minha face, história e vida foi descoberta/narrada/contada por quem me conhece melhor. Foi ela que sentiu o meu primeiro movimento de vida, meu primeiro chute, ouviu o meu primeiro choro, alimentou-me, amou-me ainda quando não tinha nem formato. Como ela mesma contou, eu fui desejada e planejada. Eu era amada antes de existir. E sou muito mais amada agora, pois é nessa reciprocidade de amor que eu me encontro e agradeço ao meu Deus. Agradeço pela pessoa que eu me tornei e por ele ter me permitido nascer na família e entre os amigos que eu tenho, e por ter deixado a minha artesã preferida (minha mãe) modelar o ser humano que eu me tornei. E o que era para ser um momento de traquinagem de menina ruim que eu sou, a fazer pergunta difícil (é assim que mãe fala), eu me (re)encontrei. E foi nos braços dessa mulher que sabe tão bem quem eu sou, que eu (re)descobrir o meu "eu", a minha história.. A minha autora e narradora preferida, o meu humilde obrigada. Obrigada por mesmo que inconsciente ou não, jamais permitir que eu desista de ser o certo e de procurar o mellhor. Prazer, eu sou o "eu" contruído por minha mãe.

segunda-feira, 2 de abril de 2012

O amanhã não existe: o hoje já partiu

Hoje era para ser o dia da preparação da festa de amanhã...


Mas não é. Não estou arrumando a minha mala para viajar hoje a noite e amanhecer o dia ao seu lado amanhã. Não acordarei amanhã na expectativa de comer aquele delicioso bolo que mainha fazia nessa data querida (03/04). Não passei e passiei a procura de um presente para te dar e conquistar (mais uma vez) um sorriso e abraço teu. Mas mesmo assim, sabendo que o amanhã não existirá com alegria das outras datas vividas, peguei-me hoje contabilizando (com aquela dificuldade e bloqueio de sempre com a matemática) a quantidade de velas que colocaria no seu bolo, que eu te ajudaria apagar, e que tentaria te explicar que a senhora não tinha mais 77 anos, como ficastes gravado em vossa memória, e sim 91 anos. A data de hoje, que antece a de manhã, não me promove mais aquela alegria, aquela felicidade que antes embalava o dois de abril que indica a chegada do três. Hoje vir os meus olhos se inundarem de lágrimas cada vez que os mesmos visualizam essa data, cada vez que aguardo o convite para a preparação da sua festa e esse não o chega, cada vez que eu tenho que lembrar que é mais uma data que não te tenho mais presente em corpo. Não é fácil aceitar que o amanhã não existe porque o "meu hoje" já partiu, já foi tirado de mim, deixando o meu jardim incompleto, o meu sorriso triste e minha vida faltando um pedaço. Costumava usar o clichê que em seu aniversário o presente era meu, por ter sido abençoada pela sua presença em minha vida, agora, sem clichês e demagogias, continuo dizendo que Deus me presenteou com o seu amor incondicional, com o seu colo confortável, com seu abraço aconchegador, com o seu sorriso e olhar que até hoje vivem em minha lembrança, nada disso morreu para mim, eles vivem da maneira mais bonita em meu coração. Entendo Deus, quem é que não queria ter ao seu lado alguém como ti? Não posso ser egoísta e proíbi-lo disso. Não posso ser injusta e questioná-lo por essa escolha. Eu entendo Ele assim como entendo que agora está melhor, sem dores, sem esquecimentos e ao lado da melhor companhia. Bem sei que não era necessário escrever aqui tudo isso, pois bem sabe de tudo, em minhas orações te revelo sempre os meus sentimentos, segredos e angustias, afinal, você nunca me abandonou. O amor não deixa! Vozinha (minha velha dos claros mais lindos que já vi) parabéns, não pela idade nova, pois essa não é mais contabilizada, mas pela história que escreveu, pelo exemplo que nos deixou e principalmente  por ter ensinado a mim e a todos da nossa família a atitude amar, afinal, você não era de conceitos, era de ensinar a prática. Bem sabes o quanto aprendi a amar e ser amada com vós. E que amanhã o céu fique em festa, tal qual ou melhor do que a que faríamos se estivesse ainda aqui na terra. Amo-te daquele meu jeito mais infantil e mimado ocasionado pelo afeto incondicional de uma avó.

Gerlania Medeiros - Neta de Luzia Arlinda de Medeiros